Os impactos do racismo ambiental na Amazônia

Os impactos do racismo ambiental no Acre

Como são as ruas do bairro onde você mora? Qual é a qualidade da água que você usa para beber ou tomar banho? Qual é a procedência dos alimentos que você consome? A discussão sobre o racismo ambiental pode ser definida como uma distribuição injusta de recursos ambientais, como água, comida, território (terra), entre diferentes grupos étnicos-raciais.

Foto: Henrique Almeida, busca ativa sobre cenários de racismo ambiental na zona urbana de Rio Branco mostrando o impacto no Segundo Distrito da cidade, centro e na Baixada da Sobral. Projeto Juventudes no eixo de conscientização ambiental ministrada por Gabriela Souza e Célia Santos.2022.

Na Amazônia, a invisibilização dos povos e saberes da floresta ocorre com as populações afro-amazônidas, ribeirinhas, indígenas, extrativistas, agroextrativistas e outros povos que sobrevivem da floresta e lutam para preservá-la. A pesquisadora Gabriela Souza avalia que uma abordagem genérica sobre a Amazônia contribui para a invisibilidade de povos e culturas.
“Quando as pessoas olham para a Amazônia, geralmente, pensam que aqui só existe biodiversidade em relação à fauna e à flora, e ignoram a diversidade de pessoas e grupos culturais. Esses povos que vivem na amazônia têm cor e origens diferentes de seus colonizadores e não são reconhecidos como pessoas não-brancas. O racismo ambiental na Amazônia se dá, então, quando os povos que vivem na floresta - e da floresta - não são visibilizados nas suas especificidades”, explica a pesquisadora.

O conceito de racismo ambiental surgiu em 1980, quando o líder afro-americano de direitos civis, Benjamin Franklin Chaves, percebeu que as indústrias norte-americanas despejavam lixo em áreas periféricas habitadas por um número considerável de pessoas negras. Nenhuma ação governamental era desenvolvida para garantir a qualidade de vida das pessoas, deixando-as à própria sorte para sobreviver com recursos insalubres.

Sobre a contribuição das indústrias na degradação do meio ambiente, Gabriela ressalta que a lógica capitalista de mercado em detrimento da qualidade de vida dessas pessoas precariza o acesso a direitos básicos. “As indústrias, normalmente gerenciadas por pessoas brancas, acham que podem privatizar essas áreas, poluir os rios, construir barragens e depois rompê-las, além de jogar lixo ou materiais insalubres. Essas questões estão fortemente ligadas à violação de direitos humanos”, considera a ativista.

Foto: Henrique Almeida, busca ativa sobre cenários de racismo ambiental na zona urbana de Rio Branco mostrando o impacto no Segundo Distrito da cidade, centro e na Baixada da Sobral. Projeto Juventudes no eixo de conscientização ambiental ministrada por Gabriela Souza e Célia Santos.2022.

Os efeitos das mudanças climáticas têm ocorrido com maior frequência nos últimos anos: dias mais quentes, tempestades devastadoras, ondas de calor, secas severas, incêndios... Todas essas mudanças, muitas vezes, influenciam na produção e escoamento de alimentos, além de alterar a relação dos povos amazônidas com a natureza. Esse “apartheid clímatico” é real e atinge, centralmente, as populações mais pobres causando superaquecimento em aréas periféricas, ocasionando o deslocamento de grupos étnicos e poulações tradicionais (como extrativistas e ribeirinhas) em busca de melhores condições de vida. Esse fluxo migratório não planejado relega essas populações à condição de vulnerabilidade social, insegurança alimentar, falta de acesso à moradia e saneamento básico e muitas outras problemáticas.

O preço de mantimentos básicos, como arroz e feijão, tem custado caro para o brasileiro. Esses alimentos são a base da nossa alimentação, porém, apresentam preços exorbitantes. Com esse aumento, a população mais pobre precisa colocar sua saúde em risco para consumir enlatados e conservantes, além de alimentos que possuem maior concentração de agrotóxicos. A legislação brasileira assegura que “a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal''. Contudo, a Lei 11.346, de 2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, não leva em conta as reais condições sociais do país. No Acre, segundo o inquérito de insegurança alimentar publicado em 2022, a pandemia de covid-19 agravou ainda mais a fome no estado, afetando cerca de 65,6% dos lares acreanos.

Foto: Henrique Almeida, busca ativa sobre cenários de racismo ambiental na zona urbana de Rio Branco mostrando o impacto no Segundo Distrito da cidade, centro e na Baixada da Sobral. Projeto Juventudes no eixo de conscientização ambiental ministrada por Gabriela Souza e Célia Santos.2022.

Você já percebeu que os bairros de classe alta têm seus danos facilmente restaurados, enquanto bairros periféricos possuem ruas esburacadas, saneamento básico precário, parques e praças abandonados e que esperam há anos por revitalizações? Essa estrutura social evidencia a gentrificação climática, isto é, a diferença de privilégios entre classes sociais contribuindo de forma ativa com manutenção do racismo e da segregação. O termo gentrificação, de forma geral, é definido como o processo de reconfiguração urbana, de maneira que esta acarrete uma elitização “socioespacial” no que tange à composição, distribuição da força de trabalho, produção e consumo em um determinado espaço.

Foto: Henrique Almeida, busca ativa sobre cenários de racismo ambiental na zona urbana de Rio Branco mostrando o impacto no Segundo Distrito da cidade, centro e na Baixada da Sobral. Projeto Juventudes no eixo de conscientização ambiental ministrada por Gabriela Souza e Célia Santos.2022.

É importante frisar que a formulação desses conceitos é relativamente recente, mas essa realidade já possui raízes profundas na nossa sociedade. O racismo ambiental faz parte da história do Brasil desde a invasão dos europeus em terras que já eram ocupadas por populações indígenas e, por isso, consideradas originárias. No decorrer de séculos de colonização, caracterizada por uma sociedade escravocrata, a formação das periferias agravou-se após a abolição, quando a população negra, apesar de liberta, ainda continuava a ocupar um lugar de marginalidade na sociedade.

A falta de acesso à terra foi uma questão fundamental para a configuração do cenário de pobreza que temos hoje no país. A Lei Áurea (1888) não veio acompanhada de uma reforma agrária, o que forçou os libertos a permanecerem trabalhando em ofícios com baixas remunerações. Ainda hoje, essa história se repete e podemos comprová-la ao identificar quais corpos são direcionados aos trabalhos de mineração, grilagem e lixões.

Foto: Henrique Almeida, busca ativa sobre cenários de racismo ambiental na zona urbana de Rio Branco mostrando o impacto no Segundo Distrito da cidade, centro e na Baixada da Sobral. Projeto Juventudes no eixo de conscientização ambiental ministrada por Gabriela Souza e Célia Santos.2022.

A cada ano, em alusão ao Dia da Consciência Negra (20 de novembro), a internet sempre se manifesta favoravél à luta antirracista, porém, ainda tem difuculdades em indentificar o racismo em seu cotidiano. Como exemplo, podemos citar a ausência de manifestações contra projetos de lei que podem ocasionar desastres ambientais ou que apagam a identidade e a história dos povos da floresta ao destruírem os recursos ambientais básicos para sua existência. Em busca de respostas de como participar da luta antirracista na Amazônia, o Observatório Socioambiental do Acre perguntou à pesquisadora Gabriela Souza o que precisa ser feito para que o racismo ambiental ganhe visibilidade perante aos órgãos públicos, ao governo e à sociedade em geral.

“O combate começa com o reconhecimento dos povos da floresta aliado a um trabalho de fortalecimento para que permaneçam dentro de seus ecossistemas como guardiões do território e com isso tenham fomentos e recursos para viver com dignidade e saúde. Também é preciso pensar em políticas públicas que forneçam a assistência necessária e que possam validar o respeito com as múltiplas culturas que existem com a proteção destes povos”, sugere.

Foto: Henrique Almeida, busca ativa sobre cenários de racismo ambiental na zona urbana de Rio Branco - AC mostrando o impacto no Segundo Distrito da cidade, centro e na Baixada da Sobral. Projeto Juventudes no eixo de conscientização ambiental ministrada por Gabriela Souza e Célia Santos.2022.

Ao homogeneizar o contraste cultural e privilegiar determinados grupos sobre outros, o racismo ambiental promove uma corrida desigual por recursos básicos à sobrevivência e à dignidade humana, atingindo de forma desproporcional grupos específicos que estão à margem da oferta de produtos, serviços e políticas públicas. Com o avanço das mudanças climáticas, esse problema se intensifica cada vez mais, limitando o acesso à educação, saúde e alimentação. Quem vence essa corrida tem cor, classe e gênero bem definidos, pertencente a um grupo social que contribui diretamente com a poluição e a destruição do meio ambiente.

A luta antirracista, no contexto ambiental, clama por direitos básicos para os povos das florestas e das periferias e precisa ser pautada de forma hegemônica na mídia, na escola, no congresso, em projetos de lei e em todo e qualquer espaço de diálogo para que, assim, sejam formuladas políticas públicas que realmente considerem as necessidades básicas dessas populações. A transformação irá ocorrer quando a Amazônia reconhecer seu lugar de fala, seu potencial intrínseco, e colocar em cheque as velhas histórias ligadas à colonização para reescrevê-las a um novo futuro, dessa vez, com justiça econômica e climática.

Gabriela Antonia da Costa Souza, bióloga (Ufac), especialista em agricultura familiar (Ifac), cursa especialização em Planejamento, Organização e Sustentabilidade em Gestão (Ufac). É pesquisadora amazônida nas pautas de meio ambiente, agroecologia, raça, juventude, gênero e sexualidade. Atualmente, coordena o projeto Mulheres da Borracha, desenvolvido pela empresa Vert em parceria com a SOS Amazônia e o Instituto de Desenvolvimento Social.